terça-feira, 4 de março de 2014

O valor invisível

Houve um tempo em que saía na rua, sempre no mesmo horário para brincar com meus amigos. Na verdade, não havia muitas coisas para fazer, principalmente porque estamos falando aqui de uma época quase “pré-histórica”, se compararmos as possibilidades de hoje. Havia um grupo deles que sabia construir carrinhos de rolimã como ninguém. Um outro amigo, tinha uma bicicleta sem um dos pedais, mas que com uma adaptação de madeira, servia brilhantemente para que pudéssemos descer as ladeiras do bairro, quando não passavam os poucos veículos existentes naquele tempo. Não havia um centro esportivo, nem quadra de cimento, nem praça urbanizada. Relembro que não tinha muita coisa, ou quase nada. Uma bicicleta monareta azul comprada com muitas parcelas pelo meu avô, uma picape de plástico com rodas destacáveis que em dia de chuva faziam sorrir naquela chuva pesada que às vezes caia sobre o bairro ainda com estrutura de saneamento deficiente.

Desta época, tínhamos como diversão, torneios de futebol de rua onde cada gol valia um refrigerante conhecido como tubaína. Em resumo, seis ou sete “times” disputando a “Copa Tubaína”, com traves de madeira construídas sem as mínimas noções de marcenaria. E davam certo, ficavam em pé durante meses.  Uma coisa era padrão, não tínhamos posses, mas tínhamos valores. O valor de cada pessoa era invisível...ou visível, depende de que prisma você esteja pensando. Você percebia isso, quando seus amigos faziam questão de passar no portão de casa pra disputar aquele campeonato da Tubaína. Primeiro chamavam pela minha mãe, para obter a "aprovação da convocação" ao escrete do asfalto. Meu valor era invisível..não tinha uma casa chique, computador nem pensar, a camisa do Palestra era algo impossível de comprar, o número da minha camisa era pintado de guache, porque o acrilex era um pouco mais caro. E nem precisava do OMO, aquela tinta saia na primeira lavada, mas era feliz.

Tinha uma centena de amigos na mesma condição. Acumular “valor invisível” nestes tempos era descobrir coisas diferentes, realizar façanhas esportivas que nos tornássemos mais admirados pelos colegas. Era andar do “Anézio Cabral” até a escola do outro bairro pra disputar partidas de futsal. Para a rua, meu vizinho sequer tinha um kichute pra jogar bola, mas isso pra nós não era nenhum problema. Ele era importante, bom camarada, tinha um chute potente e “valor invisível”. Os dedos estavam sempre arrebentados, mas ele estava lá e nós também. Saia um, empresta o calçado pro outro. Só num dia, paguei três tubaínas, mas na semana passada, havia ganho duas. E o tempo passou...e muito. Hoje, o caráter de alguém é medido pela imagem que você “representa”. Os valores são visíveis e o comportamento legal é a falta de identidade, submissão e concordância com os piores exemplos que um ser humano pode seguir e aqui não estou na defesa da “filosofia da miséria”. Não há fraternidade, mas freqüentamos as igrejas todos os domingos. 

Outros alimentam alguns pensamentos pouco saudáveis e aí sabe como é. Quem em nada acredita, faz as coisas mediante a sua verdade, porque crê que aquilo não fará mal para ninguém, mesmo que morram uns dois ou três. E quando você acredita que princípios de bom senso não servem para o padrão alucinado de hoje, do sucesso a qualquer custo...não deve dar em coisa boa. Em paralelo, não há cadernos, nem hospitais, nem saúde, nem professor, afinal escola não vale nada, pra que se desenvolver, buscar, pensar, relacionar. Raciocinar não é importante. E os caras “lá do meio do mapa”, devem estar assistindo e pensando...”Enquanto ficar na vidraça do banco, está legal ! Viva o carnaval ! ” E assim vamos descendo a ladeira. Mas, tem ocorrido algumas situações que não ocorriam antes e talvez isso possa indicar que os “ventos” estão mudando...Tomara..pena que ainda é pouco pra tantos consertos. Já pensou no que virá por aí?
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Um pouco de poesia para acreditar nas boas coisas...
** Jorge Bem – o Bidú - Frases - (clique e ouça)
http://www.youtube.com/watch?v=QLWfv2v4q7M
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