"Conheci" Jello Biafra num encontro casual. Normalmente, penso
que encontros do cotidiano com a característica de casualidade, sempre são
interessantes, por uma razão simples. Com o espírito totalmente desarmado, as
coisas se encaixam mais tranquilamente. Afinal é sabido que ir contra a
natureza é algo que geralmente não traz bons resultados em todos os aspectos.
Algumas pessoas que não tem muita noção disto e acabam por fazer coisas que vão
contra estes importantes princípios. E fazer algo que é contra as leis
naturais, ou que sejam as suas “leis
naturais”, sempre pode dar grandes problemas.
O dia em que o conheci este “senhor” morava nos confins de
uma rua, numa casa que hoje não existe mais, na cidade onde resido. Hoje, no
lugar, há uma avenida e minha antiga casa foi incorporada a ela. Lembro-me que
subia a minha rua, virava a esquerda e direita para ir à casa de um grande
amigo que tenho até hoje.
Nesta época, do alto dos dezessete anos, com nossas
inquietudes e nenhuma grana no bolso, ficávamos debatendo assuntos diversos e
ouvindo música. Isso era um “grande evento”. Aquele monte de moleques ávidos por
descobertas da vida, ainda nos tempos do LP.
Nesta época, lembro que saia da minha casa para ir à
biblioteca municipal apenas para estudar sobre assuntos que tínhamos interesse
e às vezes mínimo acesso (bem diferente de hoje..tudo na ponta dos dedos...rs).
Saber algumas coisas, não era tão fácil quanto hoje, visto que não havia
internet. Porque tudo chegava aqui com atraso ou não havia acesso fácil.
Lá na casa deste meu amigo, era papo e música..Até um dia em
que vejo uma capa preta e cinza com um carro pegando fogo..Aquela imagem pra
quem tem 17 anos é emblemática. O que haveria dentro daquela “bolacha”? Qual
seria a mensagem?
Nessa época trabalhava como Office-boy, aquela “ocupação do
século passado” e que hoje não existe mais. Pelo menos naqueles moldes. Então
rumava pro centro da cidade com minha fita AFS 60 pra pagar pra gravar aquela
preciosidade que não tinha a mínima condição de comprar. Aliás, nem toca disco
tinha em casa. E
buscava na outra semana pra ouvir.
Jello Biafra me ensinou coisas importantes. Seu instrumento
de comunicação era a música. Mas o que tudo aquilo me ensinou, talvez não tenha
nada a ver com o provável objetivo dele. Uma das coisas que “aprendi” foi
desenvolver a minha própria identidade, saber que todo ser humano é importante
e deve ter o seu próprio raciocínio sem se deixar levar pela maioria. A maior
lição disto tudo está na frase “faça vc mesmo” que determinou o caminho das
bandas de punk rock no início e que vou acrescentar para os dias de hoje. A
importância de ter sua identidade, não se deixar levar pelas campanhas e consumismo
que somos bombardeados todos os dias. Ser um “universo autêntico”, não se render
aquilo que vou chamar aqui de “modernistas do comportamento padrão”, que
defendem idéias que desvalorizam as boas relações humanas, ser mais um colaborador
para as “inhacas” do mundo. É o carro com som alto na rua pra todo mundo ouvir,
são as atitudes “espertas” utilizadas neste mundo já tão difícil de
“participar”. Cultive as boas amizades. Aquelas que vão te fazer aprender
alguma coisa, o respeito ao próximo. A fraternidade ainda vale à pena ! Esse
país precisa crescer e temos que dar a nossa pequena contribuição como cidadão
neste grande universo. Seja vc mesmo !
* Eric Reed Boucher (Boulder, 17 de junho de 1958), mais conhecido pelo nome artístico de Jello Biafra é um cantor e compositor de punk rock e ativista políticoamericano, ex-vocalista da banda Dead Kennedys.
* Dedico este texto ao meu amigo da casa citada no texto: Silvio Braga dos Santos